Pensei ter ouvido sua voz a me chamar, mas não, era apenas meu pensamento voando, num daqueles momentos de distração. Olhava os raios de sol que entravam pelo basculante, suspendendo a leitura de um livro. Era fácil entender
porque não dormia e porque eu demoraria tanto tempo para compreender a causa do
teu silêncio. Minha vida sempre foi feita de
buracos, um congestionamento infernal de incertezas atrás de histórias mal
contadas e versos sem prosa. Uma piedade sem fim, carência sem tamanho nas
noites sem dormir. Quando você veio, como vento que a gente sente sem querer,
eu senti que as horas passavam. Não digo que passavam de uma hora depois da
outra, mas passavam por mim. Horas em que senti o piscar dos teus olhos, o seu
andar, seu roer de unhas, tudo isso e muito mais em seu tempo, sua fração
dentro do meu relógio. Sentia no diminuir das minhas horas as suas de amor. Aprendi
com o tempo a medir a felicidade ao contrário, feito cronômetro de embarque.
Você chegava e eu ligava o relógio perverso. Doía-me cada sorriso bem dado seu,
era menos meia hora da nossa história, quase pedia pra guardar um sorriso pro final. Ou só os sonhos, quem sabe dormir junto, sonhar junto, acho que dormir não contava no meu
relógio. A esfuziante forma com que fazia planos de futuro, e até mesmo sua forma de segurar o cigarro descreviam um ritual na minha mente, eram muitas horas de
felicidade pra poucos minutos que meu relógio poderia aguentar. Me entreguei, então, completamente, me senti solta entre você e o tempo, anulei de todas as formas
os ponteiros e me guiei pelas batidas do meu coração. Não era mais uma
virtude de sentimento correspondido que eu supunha estar vivendo, era a forma como eu não dominava
meu coração que me fazia suspirar de agonia. Estava numa montanha russa, eu era
uma espiral de emoções, sempre erguida em sustos e presságios felizes. Não havia
maneira nem lugar pra estar do que onde estava e quando estava. O ar mais leve
me fazia flutuar pelos corredores das minhas cenas ensolaradas. Mas as suas virtudes
e as pregas do meu sorriso ficaram duras, não conseguia mais sentir
minhas mãos nas tuas mãos. Elas suavam. Ouvia um barulho estranho ao longe. Logo
depois, os beijos curtos ficaram ainda mais curtos e raros, não sabia
explicar, sabia que lembrava disso de outrora, era uma repetição, sabia que havia
escrito isso em outra história cheia de promessas, então abri os olhos e a cama bagunçada me causou estranha agonia. Ouvi de novo o barulho alucinante, estaria enlouquecendo? Acordei mais um dia e nem café da manhã tomei, troquei a montanha russa pelo
carrossel, achei mais apropriado pro inverno que se formava. Então, comecei a
enjoar das voltas, das paradas e das entradas e saídas. Comecei a ficar surda e, às vezes, até muda quando convinha, e comecei a ter muitas limitações
sensoriais, cansaços e subtrações incríveis no tempo. Lembrei de
onde era o barulho: o celular tocando. Apaguei o lembrete da próxima viagem no calendário. Olhei as horas, ainda era cedo, não havia comprado a passagem para aquele sábado. Voltei a dormir.
Só temos consciência do Belo
ResponderExcluirquando conhecemos o feito.
Só temos consciência do bom,
Quando conhecemos o mau.
O grande e o pequeno são complementares.
O alto e o baixo formam um todo
O tom e o som se harmonizam.
O antes e o depois seguem-se um ao outro.
O passado e o futuro geram o tempo.
O longo e o curto se delimitam
O ser e o não ser geram-se mutuamente.
O sábio executa sua tarefa sem agir.
O sábio tudo realiza - e nada considera seu.
O sábio tudo faz e não se apega à sua obra.